“No momento em que você profana o sagrado, o resultado é dor”.
Frase de Edmundo Pelizari
Manipular uma erva de poder, dentro de um ritual, é uma ação Sagrada, muito diferente da dependência da mesma no dia a dia da pessoa.
Na cultura Andina, por exemplo, a folha da coca é Sagrada e consagrada em rituais à Mãe Terra. Bem diferente do uso abusivo e profano que vicia e causa muitos danos.
Diz uma lenda que o povo Andino rogou praga ao povo Europeu por ter destruído sua cultura e acabado com suas folhas de coca:
“Vocês sofrerão por terem profanado nossa erva Sagrada, a coca”.
Sabemos que a cocaína, produto quimicamente industrializado do principio da folha de coca, é avassalador mal que aflige a sociedade mundial. É a profanação do Sagrado causando dor e morte através do vício.
O mesmo ocorreu com o tabaco, usado para fins ritualísticos pelos indígenas, sofreu a interferência do europeu que o industrializou, profanando assim a erva sagrada e transformando-a em vício.
Quando utilizado pelas entidades de Umbanda, o tabaco retoma sua origem e, no momento do ritual é erva sagrada de poder e não vicio.
O mesmo acontece com a cana que é transformada em bebida e, quando consumida dentro do ritual é sagrada, manipulada para fins terapêuticos e não profanos.
A entidade incorporada em seu médium, não consome cachaça a fim de se embriagar, ou ao médium, não necessita de quantidade e sim do fluído que purifica, descarrega e promove assepsia. A entidade não necessita dar espetaculares demonstrações de seu “poder”, bebendo demais ou caminhando sobre cacos de vidro, por exemplo.
O poder real de uma entidade de Umbanda está no bem que ela, junto a seu médium, promove. Está na palavra amiga, no alivio das dores físicas e morais daqueles que as buscam.
Seu poder nada tem a ver com espetáculos ou provas infantis de força. Seu poder é o amor que espalha tocando corações e auxiliando o progresso das pessoas.
O uso da bebida e do fumo são quase práticas Xamanicas, porém o Xamã e o médium de Umbanda são diferentes instrumentos da espiritualidade utilizando as mesmas ferramentas de trabalho de formas diversas e, por vezes, com o mesmo fim.
Nas sociedades primitivas, antes do surgimento das religiões, o homem já praticava a experiência da transcendência, existem estudos sobre o assunto.
A experiência transcendental é única, inexplicável, pois pertence ao individuo e cada um vive e experimenta o transe de forma particular, única, e cada um tem seu propósito, cada individuo utiliza o transe para um determinado fim.
Entrar em transe tanto pode acontecer de forma espontânea quanto induzida. Na Umbanda há o desenvolvimento mediúnico que é uma técnica, no Xamanismo a técnica consiste em cantos, toques de tambor, muito semelhante à indução ao transe na Umbanda em alguns terreiros, pois existem outros que não utilizam tambores, ou atabaques.
No Xamanismo o tambor é chamado de arco porque simboliza o arremesso ao mundo espiritual, ao estado alterado de consciência que possibilita ao aspirante, tornar-se um Xamã.
Nesse ponto encontramos semelhança com a mediunidade de Umbanda.
Outra maneira, muito particular de tornar-se Xamã é pela experiência dolorosa da doença que não encontra cura nas terapêuticas disponíveis. Diante disso, aquele que se tornará Xamã, a partir dessa experiência, sai do corpo, em desdobramento astral, incorpora um espírito e percebe que sua doença, na verdade é uma doença da alma apontando desequilíbrio com o mundo dos espíritos.
A partir do momento que essa pessoa consegue se curar, ela se torna um Xamã porque ela alcançou a cura da alma por intermédio de uma revelação espiritual, uma experiência transcendental que lhe ensina o caminho da cura possibilitando-o, dali por diante, a ser um curador que muito provavelmente manterá contato direto com a espiritualidade.
Essa doença, que acomete os aspirantes a Xamãs é conhecida como doença Xamanica.
O fundador da Umbanda, Zélio F. de Moraes, viveu algo semelhante antes da fundação da Umbanda.
Ele sentia dores, passava mal e sua família relatava que ele sofria com “ataques”.
Na verdade Zélio teve uma doença Xamanica hoje conhecida e classificada como mediunidade.
Existe um ditado, no meio Umbandista, que diz o seguinte:
“Quem não vem por amor, vem pela dor”.
A dor seria a doença Xamanica, ou o aflorar da mediunidade e o amor a fé e o encantamento que a Umbanda propicia àqueles que a buscam de coração e mente abertos.
A mediunidade mal trabalhada ou negligenciada causa vários transtornos ao médium, por isso o Xamã diz ser uma “doença” do espírito e as entidades de Umbanda aconselham seu desenvolvimento a fim de que a pessoa retome seu equilíbrio espiritual que se reverte, por sua vez, em saúde física e emocional.
Podemos concluir que todo médium é um pouco Xamã e que mediunidade é muito mais que um mero termo para rotular o individuo que entra em transe mediúnico.
Nas sociedades antigas médiuns eram considerados Xamãs, rotular, porém, a mediunidade e o médium, seria limitar os potenciais que podem se manifestar em cada um de nós.
Mediunidade, portanto, é muito mais e não se limita a um sistema, a uma única forma de ser trabalhada, mediunidade transcende. O Xamanismo nos mostra esta transcendência de forma muito clara e todo Umbandista sente simpatia/afinidade com esta forma Xamanica de trabalhar a mediunidade.
As entidades que se manifestam através de nós tiveram várias encarnações, assim como nós também tivemos e, sermos simpáticos à Umbanda ou a outra religião mediúnica, revela que em outros tempos, muito provavelmente, a magia e seus mistérios nos foram muito familiares.
Annapon
17.11.2014
(Texto baseado no Curso de Teologia de Umbanda Sagrada – Desenvolvido por Rubens Saraceni – Ministrado por Alexandre Cumino)
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